quarta-feira, 9 de abril de 2008

Confesso!

Sem decidir qual era o teu papel nesta história, estava esticada de um
extremo ao outro. Do mais sublime sentir ao vazio da tua presença. Gostava de
ver seu reflexo nos outros, projetava luz dos olhos e sorria muito voltando para
casa. Ficava tonta, quando escapava de mim mesma e me perdia no teu rosto.
Nunca desvendei um sorriso como aquele, lançador de flashes de encantamento e
quando voltava a minha própria presença estava mais perdida, quase sem saber
como disfarçar, o impacto diário que a tua existência me causava.


No interior da casa era a sombra que se mostrava, então não dormia. Até que cansou de espalhar si mesma em tudo. No rosto ele impresso. Pintava todas as cenas que via com a sua cor. Ao sair, para compartilhar o mundo, aprendia a invisibilidade – sabia o que fazia quando o encontrava. No início, um pouco desajeitada, meio técnica e engraçada, pois escapavam frases sem sentido, perdia o proposital (por não ser do mundo, pelo menos naqueles instantes). Depois, vestia seu ar de inocente, mas somente para que ele se soltasse e então esperava a reação. Quase sempre dava certo. Media a situação com a cara de quem não está pensando. Quando o nível de confiança havia subido até o aceitável, parou de se defender do que sentia.

Ela via... estava estigmatizado para confirmar a sua originalidade. O trágico dia havia deixado utilidade. Sentia o ombro rir com a caneta, mas era interiormente que havia assinado. Na sua vez, a marca que ele podia atestar a veracidade, ela havia disfarçado. Ela podia sorrir o quanto quisesse e ele não saberia a verdade, seria quase injusto, se não soasse o nome revelador.
O veículo temporal passava, velozmente, por todas as esquinas daquela história, o passado e o presente, em fim, um só. Permitia que suas impressões se misturassem a ele, lentamente como se entra num rio pela primeira vez. O ritual era cumprido, rigorosamente, etapa por etapa. O ar solene, já era de se esperar, pois o tempo estava parado.

Ficou muda como costumava acontecer. Precisava encontrar o ponto inicial. Como acertar a tomada no escuro em território desconhecido, sem tatear?
Quase em outra vida o impacto torna a acontecer. Ela pára e percebe quase sem acreditar. Mergulhou nos olhos dele completamente sem ar. Ele era tudo que ela respirava. Experimentou com a mesma profundidade que um dia o marcou. Ao perceber que continuavam os mesmos, uma vida inteira entrou naquele instante.

Ela o toca com a mesma impetuosidade de quem pretende ligar a luz. Tão logo ela acende não existe mais tomada. Instantaneamente, o foco muda para o ambiente iluminado. Nos olhos dele nasce novamente, sua alma retorna pela luz que ele devolve ao seu olhar.

Ria, sarcasticamente, pela última vez. E, de repente, não era mais.

Deixou no banco da praça deserta a sua pele despida, em noite de lua, rumo ao lago com a sua alma nua. As árvores, rodeavam-na, formando um círculo a lhe observar. Suas testemunhas dos tempos impressos naquele lugar. Quase destituída de ser a mesma de tantas sessões como aquela. Só se entendia universalmente, quase não conseguia ser individual. Seus pés, tocando as pedras vivas, impulsionavam-na de volta. Faziam parte da sua vida, eram pedras. E os braços do vento a puxavam de um lado ao outro, divertindo-se com ela. O manto da noite entorpecia seus sentidos, e a água gelada fazia com que sentisse ainda mais viva, brindando a eternidade daqueles momentos. As estrelas piscavam em sua linguagem cósmica. Na pedra mais alta lia o mais antigo livro no teto da sua vida.

Pertencia aquele lugar. Era tratada e reconhecida por sua natureza verdadeira, livre. Sua existência não cabia em jogos de egos. Ainda selvagem, instintivamente, buscava a origem. Sabia como agir sem pensar. Ali perceber era seu único compromisso. Num longo sistema de igualdades que se estabelecia, espontaneamente, com tudo que a acompanhava.

Viva - o estado mais precioso. Seu conhecimento de ligação com tudo que é sagrado. Assim cumpria sua experiência religiosa. Na mais intensa vibração dos seus pulsos. Rezava vivendo. Hidratando seu espírito com a água primordial. No mais profundo silêncio, simplesmente ouvindo, humildemente receptiva.
Cruzam-se mensagens das estrelas com as que chegam das profundezas da terra. A água filtra as palavras que projetam-se da sua mente, e o sol nasce incandescente, transformando as dádivas em promessas para o mais novo presente.

Lembrei da tomada de luz. Agora você vem comigo!

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