terça-feira, 8 de julho de 2008

Sobre a vida, sobre ela

Na noite escura,
sem saber.
Um quadro sem cores, sem tela,
Com a escuridão de sentinela.
O silêncio total.
Sem limites.
Sem bits.
Sem ar – a perenidade – sem possibilidades.
Sem luzes para sinalizar,
O breu que cega.
Tudo o que um dia escrevi:
Fogo, cinza, pó.
Sem chão, sem dó.
O filme, não há, nem espectadores.
Nada molda o ser que lateja solto,
Girando pela periferia.
Sem perceber que a música havia acabado,
De repente, uma explosão e foi jorrado todo o turbilhão
De esperanças e lembranças.
Tanto as memórias,
como os objetos, marcadores de momentos
que estavam prontos para morrer.
A pedra começava a fluir com o curso do rio.

Ela que tanto admirou o movimento das águas.
Agora se entregava à correnteza.
Vibrava! Dançava na música da natureza.
Soltou-se do fundo e sem asas voa.
Não se importava com o percurso, ia...
Seguia seu coração de pedra viva.
Descobria seus instintos ancestrais,
Selvagens de ser apenas o agora,
e quase brilhava por isso.
Derretia com a energia do sol e
transcendia suas limitações,
voando nos braços libertos das águas.


Num banho de sol a beira da água,
Nua dos detalhes conceituais de si mesma.
Os raios penteavam seu corpo,
Brilhando seus póros e
Incandescendo sua alma.
Ao longe, surge ele,
o transformador das matérias.
Identificou a espécie bruta
Em sua demonstração de existência.
Colheu-a com os olhos febris de desejo
por moldar conforme suas inspirações
mais intensas e imediatas.
Por um segundo, invade um forte arrepio,
talvez um choque, que quase lhe fez perder os sentidos,
e assim a pedra volta para sua liberdade.
Segue seu caminho intacta das intenções alheias à
sua interioridade.

Na descida, imagens rápidas.
Sua passagem a sacudia, talhava, empurrava,
embalava, acordava, ampliava sua percepção sobre o rio
e sobre jornadas.
Chocava-se com outras pedras e as soltava.
Com outras conhecia impulsos novos de seguir o fluxo.
Cada ação moldava sua forma.
Cada solavanco, e ela, não era mais.
Permitia os segundos que se fossem.
E de tão pouco que se tornava, ampliava-se.
Quanto mais tiravam dela, mais ela se expandia,
Do fundo à margem.
Quanto mais seus pedaços se espalhavam pelo caminho,
Menos ela se importava.
Assim foi rolando pelo rio,
até que a pedra se transformou no próprio percurso,
espalhada e viva.
Sua vida.
Seu rastro.
Sua dissolução.
Seu ser.
Sua nova inteireza.
Vibrava completa,
Em comunhão com a correnteza.
A Pedra se tornou o rio,
E o rio também a pedra.