sábado, 19 de abril de 2008

Caleidoscópio dos sentidos

Faltava a ela acreditar. Mesmo usando óculos sua visão era turva, como em frente a um nevoeiro. Sabia que lhe faltava algo, mas o fato da vela apagada, e na ausência de lâmpadas no local impediam a imagem de se apresentar. Sentia o vento a organizar seus cabelos e o sopro a enchia de vida, porém era preciso descobrir o que sua alma ansiava.

Ouvia o vento sussurrar o que ela perguntava, mas entendia estranhamente, só com a saciedade. O relógio virava o contrário e os morcegos saiam para usar suas asas na liberdade. Então, sentia o frescor, conhecia essa mensagem. Talvez, aprendesse com eles a ter visão sem luz. Atrás deles estavam os faróis que esperava para admirar e para iluminar o que ela queria ver.

Deitada na rede a brisa da noite esvaziava suas expectativas e anseios. Estava satisfeita, era tudo que precisava. Unicamente, percebia o cenário. O que havia de mais simples era o que lhe trazia alegria. Sabia disso, mas esquecera por tempo prolongado o que a alimentava. Sua alma faminta mostrava os sinais, pressentiu que colocaria o que havia construído a baixo. Uma imensa urgência instalada em seu coração gritava para que a seguisse.

Passos firmes no imenso breu, vez ou outra ousava – estava se reiniciando lentamente, enquanto a confiança brotava, faria com que seguisse a caminhar no escuro. Assim estava se alimentando, nutria sua interioridade e regava seu solo – sua individualidade. Voltou a produzir o veneno fitoterápico, segundo os fins futuramente utilizados. Guardava em seus póros enquanto alterava a fórmula. Haviam muitas descobertas e precisava experimentar as novidades e aplicar à roda de intensidades. Mesmo com todas as alterações continuava a ser veneno puro daquele que mantém a alma intacta.

Tirar a consciência do umbigo e entregá-la ao foco apontado. Entregar-se ao centro e mergulhar em profundidade. Deliciar-se na matéria observada e, por fim, chegar ao ápice de ser. Esvaziando sem classificações, julgamentos, análises ou comparações. Só vem o milho de pipoca que estoura em estar presente. A alma branca de satisfação, o retorno, pleno e brilhante como aqueles que festejam por completo o momento.

quarta-feira, 9 de abril de 2008

Confesso!

Sem decidir qual era o teu papel nesta história, estava esticada de um
extremo ao outro. Do mais sublime sentir ao vazio da tua presença. Gostava de
ver seu reflexo nos outros, projetava luz dos olhos e sorria muito voltando para
casa. Ficava tonta, quando escapava de mim mesma e me perdia no teu rosto.
Nunca desvendei um sorriso como aquele, lançador de flashes de encantamento e
quando voltava a minha própria presença estava mais perdida, quase sem saber
como disfarçar, o impacto diário que a tua existência me causava.


No interior da casa era a sombra que se mostrava, então não dormia. Até que cansou de espalhar si mesma em tudo. No rosto ele impresso. Pintava todas as cenas que via com a sua cor. Ao sair, para compartilhar o mundo, aprendia a invisibilidade – sabia o que fazia quando o encontrava. No início, um pouco desajeitada, meio técnica e engraçada, pois escapavam frases sem sentido, perdia o proposital (por não ser do mundo, pelo menos naqueles instantes). Depois, vestia seu ar de inocente, mas somente para que ele se soltasse e então esperava a reação. Quase sempre dava certo. Media a situação com a cara de quem não está pensando. Quando o nível de confiança havia subido até o aceitável, parou de se defender do que sentia.

Ela via... estava estigmatizado para confirmar a sua originalidade. O trágico dia havia deixado utilidade. Sentia o ombro rir com a caneta, mas era interiormente que havia assinado. Na sua vez, a marca que ele podia atestar a veracidade, ela havia disfarçado. Ela podia sorrir o quanto quisesse e ele não saberia a verdade, seria quase injusto, se não soasse o nome revelador.
O veículo temporal passava, velozmente, por todas as esquinas daquela história, o passado e o presente, em fim, um só. Permitia que suas impressões se misturassem a ele, lentamente como se entra num rio pela primeira vez. O ritual era cumprido, rigorosamente, etapa por etapa. O ar solene, já era de se esperar, pois o tempo estava parado.

Ficou muda como costumava acontecer. Precisava encontrar o ponto inicial. Como acertar a tomada no escuro em território desconhecido, sem tatear?
Quase em outra vida o impacto torna a acontecer. Ela pára e percebe quase sem acreditar. Mergulhou nos olhos dele completamente sem ar. Ele era tudo que ela respirava. Experimentou com a mesma profundidade que um dia o marcou. Ao perceber que continuavam os mesmos, uma vida inteira entrou naquele instante.

Ela o toca com a mesma impetuosidade de quem pretende ligar a luz. Tão logo ela acende não existe mais tomada. Instantaneamente, o foco muda para o ambiente iluminado. Nos olhos dele nasce novamente, sua alma retorna pela luz que ele devolve ao seu olhar.

Ria, sarcasticamente, pela última vez. E, de repente, não era mais.

Deixou no banco da praça deserta a sua pele despida, em noite de lua, rumo ao lago com a sua alma nua. As árvores, rodeavam-na, formando um círculo a lhe observar. Suas testemunhas dos tempos impressos naquele lugar. Quase destituída de ser a mesma de tantas sessões como aquela. Só se entendia universalmente, quase não conseguia ser individual. Seus pés, tocando as pedras vivas, impulsionavam-na de volta. Faziam parte da sua vida, eram pedras. E os braços do vento a puxavam de um lado ao outro, divertindo-se com ela. O manto da noite entorpecia seus sentidos, e a água gelada fazia com que sentisse ainda mais viva, brindando a eternidade daqueles momentos. As estrelas piscavam em sua linguagem cósmica. Na pedra mais alta lia o mais antigo livro no teto da sua vida.

Pertencia aquele lugar. Era tratada e reconhecida por sua natureza verdadeira, livre. Sua existência não cabia em jogos de egos. Ainda selvagem, instintivamente, buscava a origem. Sabia como agir sem pensar. Ali perceber era seu único compromisso. Num longo sistema de igualdades que se estabelecia, espontaneamente, com tudo que a acompanhava.

Viva - o estado mais precioso. Seu conhecimento de ligação com tudo que é sagrado. Assim cumpria sua experiência religiosa. Na mais intensa vibração dos seus pulsos. Rezava vivendo. Hidratando seu espírito com a água primordial. No mais profundo silêncio, simplesmente ouvindo, humildemente receptiva.
Cruzam-se mensagens das estrelas com as que chegam das profundezas da terra. A água filtra as palavras que projetam-se da sua mente, e o sol nasce incandescente, transformando as dádivas em promessas para o mais novo presente.

Lembrei da tomada de luz. Agora você vem comigo!